Não sabia? Nós também não! Ou melhor, só muito recentemente tomamos conhecimento da maioria das afirmativas acima.
Mas, então, de onde vem o nosso interesse pela Cordilheira do Espinhaço? Nossa biografia talvez ajude a explicar.
Isabel nasceu em Belo Horizonte, o que, se não lhe confere automaticamente o título de "Amiga do Espinhaço", facilita bastante a identificação.
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Casa onde cresceu Isabel, bairro Renascença, Belo Horizonte, MG - Aquarela de Isabel Lima e Silva, 2018. |
Como sou natural do Rio de Janeiro, a Cordilheira só entrou no meu mundo um pouco mais tarde, por volta de 1970, através da participação nos Festivais de Inverno de Ouro Preto, junto com uma galerinha do colégio.
Portávamos apenas as passagens de ida e volta de ônibus Rio / Ouro Preto, algum dinheiro para comer, poucas roupas na mochila e nenhum local certo para dormir, mas o nosso deslumbramento era total com a paisagem de Ouro Preto, as montanhas circundantes, a névoa, a arquitetura colonial, a inebriante sensação de liberdade, a garoa, as garotas, os cursos de arte, as apresentações teatrais e musicais, as tardes e noites em torno de violão e cachaça, as novas amizades e, ao fim de cada jornada, o garimpo nem sempre bem sucedido de um cantinho quente para dormir.
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Ouro Preto em noite fria de lua cheia - Foto de Raul Lisboa, junho de 2019. |
Dez anos mais tarde, já formado, uma oportunidade de trabalho me levou a Belo Horizonte, onde conheci Isabel. Logo começamos a namorar.
Pouco depois larguei o emprego (que pagava mal e atrasado) e fui morar numa comunidade alternativa rural sem luz elétrica em Brumadinho, não muito longe de Belo Horizonte. Essa comunidade se chamava Fazenda Mãe d'Água por causa de uma magnífica cachoeira que brotava já caudalosa no meio da Serra da Moeda, dentro do terreno da fazenda. Nossa rotina era agricultura, yoga, meditação, comida vegetariana, banho gelado e leitura à luz de velas.
Isabel, sempre que podia, se despencava de BH pra me visitar, fazendo de ônibus a primeira parte do percurso e, em seguida, encarando sozinha e a pé uma estrada isolada e pirambenta para atravessar a Serra do Moeda. Eu a acompanhava até o ponto de ônibus no percurso inverso. Espinhaço na veia.
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Percurso feito a pé entre o ponto de ônibus que vinha de Belo Horizonte e a Fazenda Mãe d'Água, lançado sobre foto Google Earth de 2004: 100 metros morro acima, 400 metros morro abaixo, 3.620 metros de deslocamento em planta. Em 1981, quando fazíamos esse percurso, ainda não existia o condomínio de casas - Retiro do Chalé - que se vê à esquerda da imagem. |
Depois de algum tempo, saí da comunidade e voltei a procurar trabalho como engenheiro. Participamos de um processo seletivo conduzido por representantes do governo da República Popular de Moçambique, fomos selecionados, nos casamos e em maio de 1982 seguimos para Maputo e Pemba.
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Baobá gigante em bairro popular de Pemba, Moçambique - Imagem gerada a partir do escaneamento de foto de Raul Lisboa, 1983. |
Em agosto de 1983, após 15 meses de serviço, nos desligamos dos nossos empregos em Moçambique e partimos para uma viagem mochileira de 4 meses pela África e pela Europa, retornando ao Brasil em dezembro de 1983.
Após um curto período no Rio de Janeiro, em outubro de 1984 fui admitido na filial mineira da Companhia Brasileira de Trens Urbanos. Nos fixamos novamente em Belo Horizonte e geramos e criamos duas filhas lindas, Ana Luiza e Júlia. Permanecemos na capital mineira até 2002, quando a vida nos trouxe de volta ao Rio de Janeiro.
Durante a permanência em Belo Horizonte aproveitávamos e continuamos a aproveitar toda e qualquer oportunidade para percorrer de carro as estradas das vizinhanças, atrás de cachoeiras e paisagens barrocas.
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Passeando com os amigos e "cumpadis" Susi e César, na Lapinha da Serra, distrito de Santana do Riacho, MG - Foto tirada com disparador automático, 2011. |
Acabamos comprando, em sociedade com os amigos que aparecem nessas fotos, um sítio em Rio Acima, também na Cordilheira do Espinhaço e igualmente sem luz elétrica, mas atravessado por um fantástico riacho encachoeirado.
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Júlia, Ana Luiza e Isabel, na rede da varanda do nosso sítio em Rio Acima, MG - Imagem gerada a partir do escaneamento de foto de Raul Lisboa, 1992. |
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Sítio em Rio Acima, MG, município atravessado pelo Caminho de Sabarabuçu. Em primeiro plano vê-se o falecido Júlio, colega de trabalho e um dos sócios do sítio, e eu. Logo atrás estão a minha antiga, poderosa e fumacenta Chevrolet Veraneio e a casa do caseiro. Em terceiro e quarto planos, a mata e a montanha, tudo dentro do nosso latifúndio. Imagem gerada a partir do escaneamento de foto de Isabel Lima e Silva, 1989. |
Assim fomos acumulando milhagem e nos apaixonando cada vez mais entre si e por essa incrível cordilheira que, mais tarde, em 2005, ao realizarmos uma viagem de férias de carro para a Chapada Diamantina, percebemos que não ser apenas mineira, mas baiana também.
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Morro do Camelo, Chapada Diamantina, Palmeiras, BA - Foto de Raul Lisboa, 2005. |
Em 2019, com as filhas casadas e morando no exterior, decidimos conhecer melhor a Cordilheira do Espinhaço, razão pela qual empreendemos a Primeira Expedição do Projeto Espinhaço.